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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
" - Ele é só um brinquedo", diz o marido à
esposa, que responde:
" - Não, ele é um presente. Um presente de
você."
Filosófica, existencialista e muito
perturbadora, a ficção científica "Inteligência
Artificial" (A.I. Artificial Intelligence - EUA,
2001 - 146 min.), de Steven Spielberg (diretor,
roteirista e co-produtor), tem o dom de nos
levar à reflexão sobre o "desenvolvimento" da
ciência e as questões fundamentais de nossa
condição de seres humanos.
Há cenas de violência (inclusive, agressividade
e crueldade como formas de diversão) e sexo que
podem ser consideradas chocantes, sobretudo para
crianças.Em atmosfera sinistra, encontramos uma
profecia bem pessimista sobre o destino da
humanidade.
No elenco, se destacam: Haley Joel Osment (de "O
sexto sentido" e "A corrente do bem"), Jude Law
( o robô-gigolô), Frances O´Connor, Sam Robarts
e William Hurt.
"Se um robô for capaz de amar, os humanos
poderão amar esse robô? É uma questão moral."
(...)
Afinal, na disposição para amar, insere-se,
também, a exigência natural do amor. E o
sofrimento vivido nos tempos de crise, por causa
dos desencontros sentimentais. As dificuldades
da convivência familiar, social e interpessoal.
"Um robô que não adoecerá, nem mudará." (...)
O sucesso do personagem gigolô expõe as relações
sexuais em suas exigências e diferenças de
comportamento, o realismo versus o romantismo.
"Não me referi a sensualidade, e sim, a amar."
Destaques: temas e personagens; produção; trilha
sonora de John Williams; fotografia (inclusive,
fotografia submarina);efeitos especiais; e o
prólogo, terrivelmente instigador...A humanidade
dispõe de recursos escassos. O controle de
natalidade faz-se com severidade, de forma
ditatorial. As calotas polares derreteram e as
metrópoles foram destruídas.
"Proponho construirmos robôs capazes de amar."
(...)
Entre as reações negativas ao filme estão: seria
longo demais, sentimentalóide, repetitivo e
melodramático.
Minha posição é outra: como não se trata de um
tema superficial, a maior duração facilita a
análise crítica interior, íntima. Ir ao cinema
para assistir a uma obra desse tipo requer uma
programação sem pressão de horário. A repetição
mostra-se didática, enfática quanto aos pontos
essenciais ou que devem ser destacados no
roteiro. Drama lírico desenrola-se poeticamente,
pleno de metáforas e mistérios. Os sentimentos
são a meta dos processos de sensibilização da
humanidade. Não podem ser demais.
Precisam, somente, abrir espaço, também, para a
racionalidade. Uma convivência de maturidade!
Filmes têm objetivos diferentes, criando uma
proposta diversificada.
"Parece muito real por fora.Mas, por dentro, não
é real."
David, o robô-menino, ouviu da mãe adotiva a
história de Pinóquio, encantando-se a tal ponto
com o protagonista da fábula, que escolhe, com
determinação, o seu maior sonho: "Tenho de me
tornar real." Inicia, então, uma busca
desesperada para encontrar a Fada Azul, que
transformou o brinquedo de Gepeto em garoto de
verdade e poderá, igualmente, lhe dar a tão
sonhada humanidade.
Ele deseja tornar-se um menino de verdade porque
ama sua mãe adotiva, Mônica. Também para ele, a
palavra "mamãe" tem significado especial, um som
mágico, de acalanto. Não aceita sua condição de
máquina. Almeja ser gente.
"Se eu me tornar real, poderei voltar. E minha
mãe voltará a me amar."
O robô-criança, misturando fantasia e realidade,
imagina que sua mãe adotiva, incapaz de ver
defeitos no filho verdadeiro, o acolherá como se
ele fosse mais um filho, igual ao que ela ama
por ser de carne e osso, fruto de seu ventre.
David sempre pede "me proteja, me proteja" e
busca o afago de outra mão, a segurança
proporcionada pela proximidade do ser amado ou,
simplesmente, de outra pessoa (um robô também
lhe serve...).
"Este é especial. Muito amor foi colocado nele.
Você é unico, sabe, David?"
Mas o pequeno robô já estava bastante chocado,
com a surpresa de encontrar tantos meninos
iguais a ele.
Steven Spielberg revelou que, na década de 80,
"Stanley Kubrick contou-me confidencialmente uma
linda história impossível de esquecer. Acho que
foi a cuidadosa mistura de ciência e humanidade
que me deixou ansioso para ver quando Stanley a
contaria e, depois que ele se foi, de me fazer
querer contá-la para ele."
"Deus criou Adão para amá-LO."
Kubrick já havia prometido a direção para Steven
Spielberg desde 1994. Para garantir a fidelidade
ao projeto, Spielberg escreveu o roteiro, como
fez em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau"
(1977).
Inspirado em conto de Brian Aldiss publicado na
Harper´s Bazaar, em 1969, recentemente editado
no Brasil, na coletânea "Superbrinquedos duram o
verão inteiro", o clima sombrio e assustador do
filme relembra, em diversos momentos, o seminal
"Blade Runner - Caçador de Andróides" (1982), de
Ridley Scott, assim como "Gattaca- a experiência
genética" (1997), de Andrew Niccol, com Ethan
Hawke e Uma Thurman nos papéis principais (e uma
fotografia deslumbrante).
"Só os humanos acreditam no que não vêem."
Essa referência à fé religiosa soma-se à questão
da incredulidade.
" - Vejo a lua.
- Ela é real?
- Não sei."
Algumas perguntas de David são bem
características da mente infantil. Quando não
compreende uma ordem, ou as circunstâncias
parecem confusas, ele indaga:
"É brincadeira?" (...)
"Você vai morrer? Quando?" (...)
"Cinqüenta anos é muito tempo?"
Os homens invejam o robô, têm ciúme de sua
humanidade artificial. Escondem-se atrás de
armadilhas, têm atitudes não-éticas.
"Só os iguais a você lhe dão segurança. Não vá
por ali, ou vão destruí-lo."
(...) "Eliminem os robôs." (...)
"Tem certeza de que não é humano? Não quero
outro incidente como o de Trenton."
Em muitas situações, somos cruéis e,
contemplando a realidade de uma perspectiva
superficial, nem percebemos a crueldade das
crianças ciumentas ao extremo. Chegam a fazer e
a ensinar atitudes erradas; criam situações com
potencial de conflitos geradores de julgamentos
injustos.Somos capazes de usar os outros como
objetos. Muitas vezes, quando atingimos nossos
objetivos, sem hesitar, livramo-nos de nossas
"coisas", jogamos fora os instrumentos,
consideramos tudo descartável e adotamos outros
"meios" aparentemente mais eficazes.
"Se foi criado para amar, é razoável supormos
que o robô pode odiar."
David e o gigolô Joe são personagens que colocam
na tela a oportunidade de um debate ético sobre
assuntos atuais: biotecnologia, cibernética, a
interação familiar e social, as relações
sexuais.
"Depois que você fizer amor comigo, nunca mais
desejará estar com um homem (real)."
E lhe diz frases maravilhosas, elogiosas e
poéticas.
Ao término do filme, o questionamento permanece
para nós:
"É brincadeira?"
Ouso responder, com o coração na mão:
É real.
Theresa Catharina de Góes Campos |
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