Theresa Catharina de Góes Campos

  O ESPELHO

Originalíssimo em seu roteiro, com direção criativa e momentos divertidos, "O Espelho" (Ayeneh, Irã - 1997 - de Jafar Panahi - 93 min.) é um drama que pode ser visto com interesse e simpatia por pessoas de todas as idades, inclusive crianças.

A trama simples sobre uma garota que, ao final das aulas, como sua mãe não chegou para levá-la para casa, decide sair pela cidade, de repente se transforma...radicalmente. Seria uma conclusão forçada, inesperada. Mas há uma reviravolta inteligente, possibilitando uma continuação espontânea, emocionante apesar de tão ingênua e verdadeira.

Acompanhamos a menina ( artista de talento notável ou garota espontânea?), tentando regressar a seu lar. Presenciamos um trânsito caótico, que desrespeita a vida (jovens, velhos, mulheres e crianças). Veículos protagonizam cenas de ação e suspense, velocidade e caos urbano.

Nenhum espelho aparece durante todo o desenrolar da história, contudo, esta produção cinematográfica revela e reflete, com precisão pungente, como a sociedade machista ignora e trata mal as mulheres, desde a sua infância. Até para subir em ônibus, as garotas sofrem discriminação. Embora garotos e garotas tenham a mesma dificuldade quando entram em uma cabine telefônica e não conseguem alcançar os aparelhos. A arte registra a vida com arte e competência. Com truques engenhosos, desconcertantes.

Entre os artistas principais, Ymina Mohammad-Khani e Naser Omuni.

Realizado com poucos recursos financeiros, quase artesanal, é um filme eficiente, engraçado, que não se confunde com outro. Fica em nossa memória por sua autenticidade.

Fiel ao contexto iraniano contemporâneo, também se destaca por suas características universais.

Parece documentário...em algumas outras cenas, assemelha-se a um poema; ações, atitudes e diálogos reproduzem o cotidiano.

Em termos existenciais, as conversas sobre as relações homem e mulher no casamento, dinheiro e trabalho, continuam relevantes, bem atuais.

Com linguagem renovada, "O Espelho" mostra-se tão despojado quanto inovador, profundo e brilhante na sua simplicidade de jóia em estado bruto de pura beleza para os que sabem olhar.

Theresa Catharina de Góes Campos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.