OLGA

 

Revista Época, Edição 326 - 16 de agosto de 2004

Entrevista com William Waak, o autor de "Camaradas"

MARTHA MENDONÇA E ELISA MARTINS

''OLGA NÃO TINHA SAÍDA''

Autor do livro-reportagem Camaradas, jornalista diz que o mito romântico da revolucionária nasceu de propaganda
Profissão:  Jornalista, é correspondente da Rede Globo em Nova York
Experiência:  Cobriu oito guerras, entre elas a do Golfo, e morou em Berlim

ÉPOCA -  Que Olga você conheceu em suas pesquisas?

William Waack -  Uma profissional do serviço secreto militar soviético, treinada para obedecer em qualquer circunstância, sem jamais duvidar dos chefes e da linha estabelecida pelo Partido, disciplinada, mas sem interesse por assuntos teóricos, que ao chegar ao Brasil perdeu o foco da missão.  O trágico em Olga é que ela não tinha saída.


ÉPOCA -  Como assim?

Waack -  A verdadeira dimensão trágica da figura de Olga é o fato de ela ter sido vítima de dois totalitarismos.  Foi liquidada por um deles, o nazista, enquanto todos os seus companheiros de luta no Brasil, que sobreviveram à aventura de Prestes e conseguiram voltar a Moscou, foram destruídos pelo outro totalitarismo, o comunista  - foram executados na Rússia antes ainda do assassinato de Olga.  Mas não era um aspecto que interessava à máquina propagandística do PC da Alemanha Oriental, que iniciou o culto ao mito de Olga no final da década de 50, suprimindo partes de sua real história.  O mesmo ocorreu no livro lançado no Brasil por Fernando Morais, que, na verdade, tem boa parte compilada da primeira biografia de Olga feita pela alemã Ruth Werner, a pedido do PC alemão, em 1962.  Trabalhos que não contam a realidade.

ÉPOCA -  Pelo que pesquisou, do que mais não se fala?

Waack -  Um detalhe fundamental:  o fato de que a mãe de Prestes pediu várias vezes às autoridades soviéticas que tentassem trocar Olga por prisioneiros dos soviéticos.  Era impossível que isso acontecesse, pois, naquele momento, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos estavam entregando à Gestapo militantes alemães que se refugiaram em Moscou.  Uma dessas pessoas, aliás, foi a última a ver Olga viva no campo de concentração.  Era Margareth Buber-Neuman, uma colega dela de militância, alemã e judia, que chegou a ser preparada para ir ao Brasil, mas foi presa com o marido em Moscou e entregue à Gestapo.

ÉPOCA -  Isso tira de Olga e Prestes o romantismo, a luta por ideais?

Waack -  Prestes e Olga eram, antes de mais nada, soldados do Partido, e a esses soldados não se admitiam crises de consciência.  Dou um exemplo:  entre a derrota do levante de novembro de 1935 e a prisão dos dois, no início de 1936, Prestes mandou matar a namorada do secretário-geral do PCB, Elza, uma moça inocente e ingênua de 18 anos, que foi estrangulada por militantes do partido.  Ele suspeitava, erroneamente, que Elza fosse informante da polícia.  E Olga não se opôs à decisão, segundo o agente soviético no Rio que chefiava o esquema clandestino.  Não havia nada de romântico ali.

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