O PIANISTA

Com sensibilidade e realismo, o drama de guerra " O Pianista " ( The Pianist – França/ Inglaterra/ Alemanha/Polônia/Holanda - 2002 – cor, scope, dolby digital - 148 min. - ), Palma de Ouro no Festival de Cannes, demonstra as qualidades indubitáveis do diretor Roman Polanski e lhe deu, merecidamente, os prêmios: da Academia Britânica de Artes, o César e o Oscar 2003. Cercado por colaboradores de Andrzej Wajda, um dos mentores de sua carreira, ele alcançou, portanto, aos quase 70 anos de idade, o reconhecimento de sua maturidade profissional. Sua dedicação ao intérprete principal fez com que filmasse isoladamente, durante um mês, as cenas de Adrien Brody. 

Aos sete anos, Polanski experimentou as agruras do confinamento no gueto de Varsóvia. Em campo de concentração nazista, morreram sua mãe e sua irmã. "Quando eu conseguia deixar o gueto, acabava voltando – recapturado ou por opção minha. Não queria viver afastado (da família)." Lutou, sem êxito, pela permanência de todos os familiares unidos nos tempos do Holocausto. "Se alguém salvou minha vida fisicamente, se posso dizer que alguém salvou minha vida, foi um jovem policial. Pedi para ir em casa buscar pão, já que eu não comia há dois dias, e ele, sabendo da minha necessidade de fuga, disse: - Vá, mas não corra."

Vencedor, também, do César e do prêmio da Academia Britânica de Artes na categoria de Melhor Filme, "O Pianista" foi considerado o melhor roteiro adaptado (Oscar para Ronald Harwood, de "O fiel camareiro"). O norte-americano Adrien Brody (de "Além da Linha Vermelha" e "Pão e Rosas") recebeu o Oscar de melhor ator, precedido da premiação do César. Para o Globo de Ouro, recebeu duas indicações (filme/ator). Fotografia (a primeira indicação do diretor de fotografia Pawel Edelman , de " Pan Tadeusz"), montagem e figurino foram as outras categorias indicadas para o Oscar (um total de sete indicações para o Oscar 2003).

O compositor Wojciech Kilar, bastante conhecido na Polônia, valoriza, com peças de Chopin, a trilha sonora.

"Ninguém toca Chopin como você." (elogia a estudante de violoncelo)

 A história começa em Varsóvia, onde Wladek toca o "Noturno Póstumo" de Chopin na rádio local, quando a cidade onde mora com a sua família é invadida pelas tropas de Hitler, em 1939. O estresse provoca brigas e discussões até na hora das refeições. A emissora é bombardeada. O irmão, vendedor e amante dos livros, não esconde sua revolta diante das humilhações impostas aos judeus. Mas a rebeldia mostra-se bastante perigosa, quase suicida. A BBC de Londres informa sobre a declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha nazista. Os jornais, que só trazem notícias ruins, são lidos com ansiedade. A invasão da privacidade prenuncia os horrores nunca antes imaginados. A indignidade, o desrespeito como algumas das muitas provas da insanidade humana. A fome e o que se faz para aplacar o estômago faminto. A todo momento, luta desesperada para se manter um mínimo de dignidade. Busca-se trabalho como se fosse o pão e a água necessários à conservação da vida.

"Fomos bombardeados. Precisamos ficar juntos."

O pesadelo se revela nos atos de violência, nas ações covardes que atingem os judeus de todas as idades, obrigados a portar a estrela de Davi bem visível em suas roupas. Assustados, angustiados, vivem inúmeras formas de restrições, além de espancamentos: estão proibidos de sentar nos bancos da cidade, não podem entrar nos cafés ou parques, nem mesmo andar pela calçada! Em caso de desobediência, punições severas. E vem a ordem para 360 mil judeus morarem no gueto de Varsóvia, enfrentando as mais severas condições, como a fome e a falta de dinheiro. Logo surgem os conspiradores judeus, se agrupando, procurando aliciar combatentes.

 "É uma vergonha! (...) Um absurdo!"

Em 31 de outubro de 1940, famílias inteiras são forçadas a sair de seus lares, na capital polonesa. A realidade tem clima de incerteza e corrupção; o sofrimento torna pesados os corações daqueles cuja existência passa a ser uma perspectiva de morte. A dor de ignorarem o paradeiro de seus entes queridos, sobre os quais nada mais sabem, depois que foram separados à força. À volta, crueldades de todos os tipos, perversidades sem fim, tragédia contemporânea. As datas assinalam situações piores, como se isso fosse possível: 15 de março, 16 de agosto de 1942, 16 de maio de 1943. As execuções diárias. As terríveis notícias sobre os trens de Varsóvia para Treblinka. A corajosa resistência dos judeus.

"Eles estão nos exterminando. Éramos 1 milhão, agora somos 60 mil!."(...)

"Matam principalmente os mais jovens." (...)

"Enforcam quem ajudar ou tentar ajudar os judeus."

Famílias obrigadas a caminhar, famintas, conduzidas como se fossem gado no pasto. No caos, no inferno, a importância dos entes queridos. O choro dos órfãos; as surras impiedosas; a lama... O embarque nos trens apinhados. As preocupações que não abandonam a mente. A penúria, a carência de tudo. Ameaças constantes, atrocidades, agressões físicas e verbais. O medo que não pára de aterrorizar os que nada mais têm. As tentativas de fuga levam aos "buracos para dormir". A corajosa resistência dos judeus. A sobrevivência de Szpilman numa cidade sob ocupação inimiga. A descoberta de um piano! Todavia, não pode ser tocado...ou denunciará a presença de Wladek.

" A música foi sua paixão. Sobreviver foi sua obra-prima."

O pai deWladek compra um único caramelo...tira um canivete e corta a bala em pedaços, para oferecer a todos os membros de sua família. Que cena linda e, ao mesmo tempo, aterradora!

"- Tem um pouco d’água? Meu filho está morrendo de sede!"

Thomas Kretchmann ( de " U-571 – A Batalha do Atlântico ") e Frank Finlay também integram o elenco dessa história real ( indicada para o público adolescente e para adultos), adaptada da autobiografia ( " Death of the City" ) do brilhante pianista judeu-polonês Wladyslaw Szpilman, que vivenciou, com os seus familiares e amigos, todas as dimensões da tragédia em Varsóvia, durante a Segunda Guerra Mundial.

"Você é um artista. Alegra as pessoas.

(...) Salvei sua vida! Vamos! Não corra!"

Merecem ser destacados, além da produção, direção, interpretação e roteiro: temática e personagens; a fotografia, cenografia (dolorosamente realista, autêntica: interiores e cenários externos), direção de arte, reconstituição de época, montagem; a trilha sonora, o figurino, a maquiagem e os créditos finais, valorizados pelo concerto emocionante, apreciado com emoção pela grande maioria do público, como demonstra a sala esvaziada somente quando os acordes terminam.

(Presenciei a saída de algumas pessoas que, de tão comovidas, precisaram de ajuda para deixar a sala, esquecendo objetos como óculos; algumas, trêmulas, em conversa com outras, no saguão, não resistiram ao choro. Encontrei um casal de jornalistas, sendo que o marido passou vinte minutos relembrando a guerra – suas experiências e memórias - e soluçando. )

"Os Aliados desembarcaram na França."

Em troca de comida, Wladek entrega o seu precioso relógio: "Comida é mais importante que tempo."

 Quando os seus salvadores precisaram fugir para locais mais seguros, ele ficou sem água. Como um rato encurralado, em meio à destruição, não sabe como nem para onde fugir daquele inferno. Continuar respirando exige todos os sacrifícios, enquanto lhe restarem forças.

O cinema não nos deixa esquecer as histórias não mais recordadas nos jornais, nas revistas e nos outros meios de comunicação. Felizmente! É preciso lembrar! Prometer a nós mesmos que não mais permitiremos que essas atrocidades voltem a acontecer.

 Pungente e chocante por cenas violentas que relembram a crueldade do nazismo, "O Pianista" emociona, inclusive, nos momentos em que vemos o reconhecimento da importância dos artistas para a sociedade. E quando lembramos os sacrifícios de muitos, para salvar seus amigos e, sobretudo, pessoas desconhecidas, que se viram fragilizadas e abandonadas, a depender totalmente da bondade e coragem de estranhos.

O suspense do início ao fim faz com que os espectadores possam, de um certo modo, compreender um pouco a tragédia da separação de familiares, o genocídio, os aspectos sócio-econômicos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o medo, a covardia, a omissão que permite/reforça o poder dos ditadores e sua força civil e militar. Como sobreviver em tal cenário real de desolação, ouvindo os gritos lancinantes e testemunhando esse quadro dantesco? Compreendendo que a sua vida está à mercê de outrem, a todo momento?

 "Sair é fácil. O difícil é sobreviver lá fora."

 A solidão, o estresse dos esconderijos. A descrença, a desesperança, a ferir o coração fragilizado.

(...) "Temos que continuar transferindo você de esconderijo a todo momento. Os alemães agora estão matando sem discriminação, judeus e não-judeus."

A vida muda de forma tão drástica...o desrespeito à dignidade humana se instala e tudo se resume, para os mais fracos, a tentativas de sobrevivência. Comer, saciar a sede, dormir transformam-se em objetivos fundamentais, diários. Passam a ser metas difíceis, uma interrogação a cada minuto, perguntas sem respostas, problemas sem solução. Os absurdos tornam-se rotina. As circunstâncias não têm sentido.

"– Toque! Toque alguma coisa! " (O oficial alemão lhe ordena/pede.)

 Quem estaria mais emocionado? O pianista ou o militar? Este, senta-se para ouvir a arte de um homem faminto e sedento, esfarrapado e sujo, mas ainda assim, um pianista! A música soberana e forte, sobrevivendo às explosões e aos tiros de canhão! E a comunicação entre seres humanos se estabelece. Ambos têm necessidades profundas que, naquele instante, são bem diferentes. A compaixão do mais forte seria anterior ou posterior à dádiva da música, em meio à devastação espiritual e física? O que importa é que, naquele momento sublime, eram irmãos da mesma humanidade.

" – Como posso lhe agradecer?

_ Agradeça a Deus. Ele quis que nós sobrevivêssemos."

Esse oficial alemão morreu num campo soviético, em 1952. Wladek viveu em Varsóvia, tocando com orquestras, até 6 de julho de 2000, quando morreu, aos 88 anos.

Não se pode classificar " O Pianista ", inteiramente rodado na Polônia, como divertimento, e sim, como obra de conscientização do que não devemos esquecer. Para impedir que a história se repita, para vergonha de todos nós! E lembrar, mais uma vez, que a solidariedade na dor é dever de todo ser humano.

" - Vocês me tiraram tudo que eu tinha. Levaram meu violino. Levaram minha alma."

Como descrever o sentimento de ser salvo por alguém? Que emoção profunda e perene (indelével!) , experimentada por quem salvou outra pessoa, arriscando a sua própria vida!

Theresa Catharina de Góes Campos



Data: Mon, 27 Nov 2006 17:55:39 -0300
De: "Osvaldo Alencar"
Assunto: Filme "O Pianista"


Prezada Jornalista Theresa Catharina,
Li seus perfeitos e brilhantes comentários sobre o filme "O Pianista".
(...)

Osvaldo Alencar
Eng. Civil


Data: Sun, 3 Dec 2006 16:08:37 +0300
De: REYNALDO FERREIRA
Para:

Theresa Catharina,

Tive oportunidade de ver ontem a obra-prima de Polanski, "O PIanista", de 2002, que não conhecia. E a música que Wladyslaw Szpilman toca para o soldado alemão me parece ser  (...)

Abraços,
Reynaldo


REYNALDO D. FERREIRA INFORMA SOBRE MÚSICA  EM  "O  PIANISTA"

Data: Mon, 4 Dec 2006 00:15:39 +0300
De: REYNALDO FERREIRA
Para:


Prezada Theresa Catharina,

Estive hoje na Livraria Cultura e encontrei lá a trilha sonora de "O Pianista", de Romain Polanski - www.cid.com.br - endereço eletrônico onde pode ser encontrado o disco. Pelo visto, é o "Noturno" Opus 48 em mi menor".

Abraços, Reynaldo

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