SONS E SINAIS

A. Kondratov

SONS E SINAIS

Semiótica, Cibernética, Lingüística, Lógica

Tradução de Theresa Catharina  de Góes Campos

Introdução

Falar é tão natural para nós quanto comer, andar ou dormir... e, em geral, nunca refletimos sobre o fato de que a palavra é espontânea apenas aparentemente. A linguagem não pode ser classificada como inata. Nós a aprendemos, e foi a sociedade na qual vivemos que no-la ensinou.

O homem começou a refletir, há muito tempo, no que consiste a linguagem, de que maneira é construída, nas diferenças entre sua língua materna e a de outros povos, entre a linguagem humana e a sinalização por gritos dos animais, ou entre a linguagem falada e os outros meios de comunicação de que dispõe a sociedade humana... Dessas reflexões originou-se a lingüística, ciência que tem por objeto as leis da linguagem. À medida que se desenvolvia e que se acumulavam os fatos e os conhecimentos, assistia-se a um aperfeiçoamento paralelo de seus métodos de investigação. No século XX, os pesquisadores beneficiaram-se do auxílio prestado pelos números e dados exatos.  A lingüística recorre cada vez mais à estatística e à teoria da informação, ao cálculo das probabilidades e à lógica matemática, à cibernética e à semiótica. Este é o assunto que pretendemos debater com o leitor...

O Objeto da Semiótica

Neste capítulo.., a ciência dos sinais, que pode nos dizer em que a linguagem se distingue dos outros meios de comunicação  utilizados pelo homem, em que nossa linguagem diferencia-se da "língua" dos animais ou da "linguagem da máquina"...

SERÁ QUE AS ÁRVORES FALAM?

A linguagem das árvores... a linguagem da relva... a linguagem das nuvens e das florestas, a linguagem das montanhas e da água... Semelhantes metáforas são comuns, entre os poetas! Mas, a linguagem da natureza existe realmente? As árvores e a relva, as florestas e as nuvens falam? O homem primitivo não teria hesitado em responder afirmativamente. A natureza fala ao homem - teria explicado - ela o previne ou ameaça-o, atemoriza-o ou encoraja-o. O Sol, por detrás das nuvens, lançando um raio de luz, parece piscar o olho amigavelmente. A tempestade repreende com violência aqueles que se recusam a curvar-se ante a vontade dos deuses. Nos dias de hoje, todas essas imagens são poéticas. Contudo, já foram compreendidas como a expressão de uma realidade. Todos os fenômenos da natureza, todos os acontecimentos exprimiam Deus ou os deuses, constituíam sua "linguagem"... Mas a fé primitiva desvaneceu-se; a idéia ingênua da "natureza que fala" cedeu lugar à concepção de que apenas os seres humanos podem se comunicar através da palavra. A natureza também pode "falar", desde que convencionemos chamar "palavra" a toda transmissão de informação. Os galhos de uma árvore que se deixam vergar estão nos comunicando a presença de uma forte ventania, enquanto nuvens sombrias anunciam a aproximação da tempestade. Por certo, esta língua "natural" difere da palavra, da troca de informação entre os homens. E não somente entre os homens, mas também entre os animais, cujos sinais expressos por gritos têm sempre um destinatário. Ao contrário da natureza, que a ninguém se dirige. As nuvens não têm nenhuma intenção de nos advertir da iminência de uma tempestade, nem as árvores, de nos indicar a existência do vento. A natureza informa, mas não tem "intenção" de informar. A "linguagem dos animais", a nossa linguagem, os numerosos e variados "sistemas de sinais" (sinalização rodoviária, vitrinas, mapas, esquemas) constituem o objeto do estudo da nova ciência conhecida sob o nome de semiótica (do grego sêmeion,sinal) ou teoria dos sinais. A semiótica ocupa-se de todos os sistemas de sinais e de todas as "línguas" de que se utiliza o ser humano, bem como os animais e,  recentemente, as máquinas inteligentes criadas pelo homem. A semiótica está intimamente ligada a uma outra ciência que surgiu há pouco tempo: a cibernética, pois, de acordo com o ponto de vista desta última, o homem, o animal e a calculadora podem, todos os três, ser considerados como máquinas cibernéticas que realizam operações com textos e sistemas de sinais diversos.

O ALFABETO DA SEMIÓTICA

Sinais e Símbolos... São palavras para as quais a linguagem comum não estabelece qualquer diferença. Para a semiótica,porém, impõe-se uma distinção. Por isso, qualquer exposição sobre os elementos da semiótica deve logicamente começar pela explicação da diferença entre um símbolo e um sinal.  Os mais diversos fenômenos do mundo que nos cerca transmitem-nos alguma informação, cuja base material é um sinal. Os impulsos elétricos, os caracteres impressos, as fotografias publicadas nos jornais, os impulsos biológicos do cérebro, são sinais. Quanto aos símbolos, constituem sinais convencionados. A fumaça é um sinal que revela a existência do fogo, mesmo que este seja invisível.Entretanto, se combinamos com alguém que a fumaça venha a significar "está tudo bem"ou, "atenção, perigo" ou "eu estou ali", o sinal assume um sentido convencionado e se transforma em um símbolo. Um sinal sempre nos informa alguma coisa. O vermelho, o negro ou o branco da vela de uma embarcação nos informa apenas sua cor, nada mais. Contudo, antes de embarcar para uma expedição, o herói grego Teseu convencionou com seu pai Egeu que as velas negras sobre o seu navio anunciariam uma desgraça e as velas brancas, sucesso. Tratava-se, portanto, de um sistema de sinalização muito simples, no qual a cor das velas tinha um significado. Para Egeu, as velas negras anunciavam a morte de seu filho. Para os marinheiros dos séculos XVI e XVIII, indicavam a presença de piratas. Um símbolo tem sempre um remetente e um destinatário, enquanto um sinal independe da existência de ambos. Quando avistamos espessos rolos de fumaça acima de uma árvore, concluímos que provêm de um incêndio, mas este sinal não tem expedidor, não tendo sido a fumaça produzida com a finalidade de transmitir uma informação. A semiótica distingue três tipos de sinais. Primeiramente, há os sinais-indícios ou "sinais naturais", com relação aos quais não existe nenhuma convenção prévia quanto a seu sentido eventual. Tomemos o exemplo de um veado que fareja o odor de um tigre. Para ele, o odor constitui  o sinal de que um felino está nas proximidades, embora o veado não o veja. O barulho de vidro quebrado nos comunica que o vidro partiu-se em pedaços, mesmo quando nada vemos.Diz o velho ditado. "Não há fumaça sem fogo". Na verdade, a fumaça constitui o sinal visível do fogo. Quando, pela janela de nosso apartamento, vemos as pessoas agasalhadas, concluímos que faz frio. Trata-se ainda de um sinal-indício. De fato, todas as informações que obtemos dos fenômenos da natureza nos são transmitidas com a ajuda dos sinais-indícios... mas há exceções. Consideremos, por exemplo, os rastros deixados pelos animais. São sinais-indícios? Parece que sim. Não convencionamos com o lobo ou a lebre que os seus rastros indicariam a passagem de um ou de outro. Todavia, esses rastros têm uma particularidade que os distingue dos sinais-indícios comuns; correspondem ao que indicam, quer dizer, à pata de um lobo ou de uma lebre. Possuem um sentido e um aspecto exterior. O traço que caracteriza este segundo tipo de sinais ( que podem ser chamados de "sinais-cópias" ou "sinais - imagens") é a correspondência entre o seu significado (seu"conteúdo")e o seu aspecto exterior( a sua "manifestação"). Os rastros dos animais (e dos homens também) são exemplos disso assim como as fotografias, os moldes e os sinetes. O terceiro tipo é constituído pelos sinais de comunicação ou sinais convencionais, quer dizer,pelos símbolos, no sentido restrito do vocábulo. A maioria dos sinais que as pessoas empregam pertencem a este terceiro tipo. O sinal (!)  (! Na União Soviética), nada tem em comum com a noção de perigo, no entanto, assume esta significação na sinalização de tráfego. Em si, a palavra "elefante" não tem qualquer relação com o paquiderme da África ou da Ásia. Para os búlgaros, um
movimento lateral de cabeça, de vai-e-vem (que nós entendemos como um sinal negativo) equivale a um assentimento, o que demonstra, mais uma vez, que mesmo os sinais mais naturais, como os gestos, são igualmente sinais sociais de natureza convencional e, de forma alguma, "dons da natureza". Os sinais convencionais que servem à comunicação não constituem apanágio exclusivo do homem. Os animais também os utilizam. O grito do macaco "ac-ac-ac" é um símbolo de alarme. Ouvindo-o, todo o grupo fica em estado de alerta, e um único "ac!" breve e estridente coloca-o em fuga. Sinais convencionais, do mesmo tipo, existem entre os cachorros, os gatos e os pássaros.

Todos os símbolos (e, de modo geral, todos os sinais ) apresentam traços comuns: têm um significado, que é o seu sentido ou o seu valor, e uma expressão, graças à qual o sinal se manifesta.

As páginas deste livro estão impressas em caracteres próprios. As figuras negras arrumadas de maneira a formar palavras e separadas por intervalos adequados são a manifestação exterior dessas palavras; quanto a seu conteúdo, é constituído de seu sentido. As vibrações sonoras emitidas por um macaco constituem a manifestação exterior de um símbolo de alarme ( expressão ) que tem por sentido (significado) "Alerta!", "Cuidado!".

Nenhum sinal tem sentido fora de um determinado sistema. Vejamos um exemplo muito simples. Que significa o sinal "( ! )"? "Um ponto de exclamação"- dirá um escolar; "Atenção" - lerá o automobilista soviético; "uma boa jogada" - responderá um jogador de xadrez; "trata-se de um fatorial" - afirmará um matemático. E todos terão razão. A mesma "expressão", na ocorrência do sinal ("  !  "), possui, com efeito, vários sentidos, que diferem completamente de acordo  com o sistema utilizado para cada um.

GRALHAS POLIGLOTAS

Da observação dos fenômenos da natureza, obtemos algumas informações, embora não estabeleçamos um diálogo entre ela e nós. E os animais ? Em que a sua "linguagem" se distingue da humana e em que se aproxima? Para o homem primitivo,tudo, na natureza, tinha uma alma. Para o homem medieval, pelo contrário, ele era o único "eleito" e o possuidor exclusivo da linguagem e da palavra. Ora, os sábios já demonstraram que os animais também possuem uma linguagem, apesar de bastante primitiva em comparação com a do homem. Utilizam-se de símbolos as galinhas e os golfinhos, os macacos e os gatos, as abelhas e os elefantes, as pequeninas tetraz e as formigas. Falamos de símbolos e não de simples sinais! Portanto, descobriu-se a existência de uma linguagem "coreográfica" complexa entre as abelhas, 17 palavras-símbolos entre os balbuínos e mais de trinta, entre os macacos antropóides.

Na verdade, em muitos casos, os símbolos de que se utilizam os animais não formam nenhum sistema rigoroso ,nem são relacionados entre si (estão neste caso os miados e rosnados dos gatos). Entretanto, em numerosas espécies, esses símbolos isolados podem se unir em um tipo de código,fazendo uma combinação entre si.Desta maneira, as galinhas empregam quatro símbolos diferentes para indicar um perigo: "perigo próximo","perigo distante","perigo homem" e "perigo ave de rapina".  A "linguagem" das galinhas compreende cerca de dez símbolos elementares que, combinados de diversas maneiras, formam perto de duas dúzias de "símbolos compostos" (no gênero do símbolo '"ordem absoluta", formado de dois símbolos sucessivos de apelo).

As gralhas são ainda mais inclinadas às" línguas". Pesquisas desenvolvidas durante anos por cientistas norte-americanos demonstraram que as gralhas possuem diversas línguas: as que vivem nas cidades não compreendem as do campo, e as de Connecticut são incapazes de se comunicar com as da Califórnia. Entretanto, há também "gralhas nômades", que habitam ora na cidade, ora no campo, ou se deslocam de um Estado a outro. As últimas utilizam uma língua especial, que lhes é própria; por outro lado, sabem igualmente as línguas das outras gralhas, tanto das cidades quanto dos campos, e podem "dialogar" com ambos os tipos. Não são apenas os homens que podem ser poliglotas! Em que a linguagem dos animais difere da utilizada pelo homem? Se os animais podem, como os seres humanos, usar todos os tipos de sinais: sinais-indícios, sinais-imagens e símbolos de comunicação, qual é a diferença?

Apesar de todas essas semelhanças, existe uma diferença incontestável.

Os símbolos dos animais são concretos, ligados, de uma forma ou de outra, a um acontecimento ou uma situação. Um galo não conversa com uma galinha sobre o que se passou na véspera ou o que ocorrerá amanhã. Até mesmo um animal relativamente tão "eloqüente" quanto um chimpanzé não tem capacidade para isso. O símbolo só vale para um momento dado e no contexto de uma situação concreta.

Apenas entre os homens, os símbolos podem se destacar de uma situação, e o ser humano é o único a ter o poder de falar sobre acontecimentos futuros, passados, imaginários e realizáveis ou imaginários e irrealizáveis. Por maior que seja o número de línguas conhecidas por uma gralha poliglota, esta não poderia  contar a seus filhos uma história verdadeira, um conto ou uma fábula. Um homem pode dizer: "Enganei uma gralha". Como também pode falar: "Uma gralha enganou um homem". A gralha não dispõe dessa capacidade, devido à sua linguagem exclusivamente concreta  A transformação da linguagem em um sistema de símbolos independentes deu ao homem uma grande superioridade sobre os animais.

Para atrair a atenção de quem o alimenta, o pássaro grita bem alto, mas não tem consciência  de que seu grito constitui um símbolo. Na linguagem dos animais, o símbolo e o objeto que ele indica estão intimamente ligados. Daí a sua linguagem não evoluir, ser estática; os gorilas, os chimpanzés, as galinhas e os gatos "falam" como o faziam há um século ou há um milênio.

Para os animais, os'sinais' podem exprimir um estado de contentamento, de medo, de fome ou ser um apelo. Muitos podem ser traduzidos na linguagem humana, seja uma única palavra (uma interjeição, por exemplo) ou toda uma frase. Todavia, os animais não pronunciam frases; não estabelecem qualquer diferença entre um "sinal", um "grito", uma "palavra" ou uma "frase". A linguagem dos animais distingue-se da linguagem humana, tanto por suas funções como por sua estrutura. Em suma, o homem também pode se exprimir sem que o faça por palavras. Ocorre, então, que as coisas se complicam consideravelmente.

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